Meu vizinho capturou uma gralha. Ela era filhote e caiu do ninho. Sem dó ou piedade o homem a pegou, cortou suas asas e a colocou numa gaiola. Ela pode andar para lá e para cá nos arames da gaiola, mas ela nunca poderá voar.
Lá debaixo da casa em aclive a gralha olha para cima e vê suas irmãs, primas, amigas, todas voando e cantando, vivendo livre e feliz do jeito que a natureza da cidade lhes permite. E lá debaixo a gralha olha, olha e olha.
A gralha ganhou um nome de gente, que eu não me lembro qual é, mas sei que é nome de gente, algo como Matilda, Sofia, Maria. Eu não sei o nome, mas sei que volta e meia alguém a chama: “Vou te dar comida!”, “Come tudo!”, “Trouxe comida”.
A gralha provavelmente ganha o melhor dos alimentos que ela poderia ganhar, ou, pelo menos, assim eu acho. Quero acreditar que ela come o que nenhuma de suas irmãs livres comem nas ruas e nas matas da cidade e dos arredores, que ela tem as mais nutritivas e saborosas refeições, que seu pote de água esteja sempre cheio.
Quero acreditar nisso tudo para compensar a falta da liberdade. Você já imaginou o quão difícil é ver os seus iguais voando livres e você sem poder fazer o mesmo, porque os seus braços foram cortados?
As gralhas fazem muito barulho. As que ficam nos fios das ruas parecem que estão sempre rindo da nossa cara aqui embaixo. Mas a gralha que tem no vizinho não parece rir, não parece cantar. A gralha que foi capturada pelo vizinho chora e grita muito todos os dias.